domingo, 28 de fevereiro de 2016

Fome? Não! Foram só três dias...





Rivière-du-Loup é uma pequena cidade na costa sul do Rio Saint Lawrence em Quebec. Como é bom lembrar de momentos difíceis e superados, apesar da minha imaturidade. Sim, ali é um ponto de parada tradicional entre Québec, Marítimos da Península Gaspé. Há uma balsa que atravessa o rio para Saint-Siméon, Canadá na costa norte ...por onde passei com amigos.

A cidade foi assim nomeada por causa de um rio próximo. O nome pode ter vindo de uma tribo indígena conhecida como "Les Loups"conhecido em francês como marin-loup (lobos do mar), uma vez encontrado na foz do rio




É bem conhecida em Quebec, e se você quiser ver o pôr do sol mais fantástico, Rivière-du-Loup, Quebec no Canadá é o lugar! 
Aliás era o que eu podia fazer de melhor lá.
Tive uma sorte muito grande nesta cidade, pois foi nesta cidade que enfrentei as maiores dificuldades da minha vida e o lugar onde eu passei meu primeiro período de fome.


Cheguei a cidade quase sem dinheiro. Eu havia chegado ao Canadá há quase um mês, e como devem saber, atravessei a fronteira canadense com pouquíssimo dinheiro. Na verdade eram apenas Cem Dólares americanos. Hoje eu não consigo me imaginar fazendo isso.



Eu tinha então, umas moedas, uma máquina fotográfica e uma mochila nova, além de muitos sonhos e muita estrada para percorrer. Eu vim de carona de News Brunswick, onde fui recebido por um amigo canadense, que conheci em Manaus, Amazonas. Nós voltávamos da fazenda de seus pais onde passei quinze dias maravilhosos. Viajávamos para Montreal e, tivemos que nos separar na estrada pois a carona estava ficando cada vez mais difícil, ao findar a tarde, para nós dois juntos. 

É uma longa história, não vou contá-la agora, outra hora...quem sabe!


Foi assim cansado e preocupado, que cheguei a entrada desta encantadora cidade no final do dia. Vão entender a razão de tudo.
Precisava me acomodar em algum canto, albergue, hotel, sei lá... Estava anoitecendo e as chances eram pequenas de conseguir outra carona para tão longe naquela hora. Ainda faltavam mais cinco horas e meia de carro até Montreal. Muito tempo de estrada!


Por fim, minha última carona foi uma jovem "estilo hippie" de astral muito zen, muito otimista, positiva. Tinha uma kombi velha que não era esta da foto, mas lembrava muito. Suas roupas também eram assim, batas e jeans surrados, tudo muito inspirador para um sonhador como eu! Não me envergonhei em dizer que estava sem grana. Para a minha surpresa ela disse que já imaginava. 

Me levou direto  para um albergue da juventude, me apresentando para uma outra pessoa com o mesmo figurino "hippie".



Esse anjo da guarda, de nome francês, que infelizmente, não me recordo, me levou para este albergue das fotos ao lado e abaixo, pedindo para os donos que não me cobrassem nada, que ela iria se responsabilizar e me arranjar um trabalho. Não foi falado nada de pagar pela cama, mas entendi que eu poderia pagá-los depois. Foi com esta esperança que me tranquilizei e dormi naquela noite. Acordei muito cedo e animado no dia seguinte saindo a caça "do meu emprego", achando que seria fácil. Realmente, como eu era inocente! Nunca mais vi o meu anjo "hippie" Como nos filmes, procurei trabalho em troca de comida e poucas moedas. 

Claro que não existe coisa assim, especialmente no Canadá onde as leis de imigração são rígidas e cumpridas pela população. Imagina!

Os dias foram se passando, e eu já sem dinheiro, sem comer há alguns dias, vendi minha máquina fotográfica, por uma migalha de dinheiro para me manter na cidade. Acreditei no "anjo hippie" e aos poucos fui percebendo que a minha realidade era só minha e única. Pura ilusão! Ninguém se preocupava com a minha situação. Eu estava totalmente sem dinheiro, e minhas esperanças de trabalho estavam se esgotando. Com meus últimos trocados da venda da câmera fotográfica, (algumas moedinhas) comprei um pão de forma e o comi por três dias inteiros, misturando açúcar que eu roubava da cozinha do albergue, entre fatias de pão e bebendo água para reforçar. 

Foram dias muito difíceis! 
Ao fim do terceiro dia, minhas mãos tremiam de fome, mas o orgulho não me permitia pedir nada a ninguém.


Nos meus sonhos mais loucos desenvolvi uma técnica de caça, como os lobos, eu precisava comer! Já me sentia fraco e saudosista. Lembrava muito do carinho da minha mãe, da tristeza que devo ter causado ao sair do Brasil sem destino, vagava a memória da minha casa em São Paulo, meu bom travesseiro, minha roupa lavada, a comida quente, feita pela velha senhora que trabalhava na casa da minha mãe e que me viu crescer desde os meus remotos quatro meses de idade. 

Que saudades eu senti naquela cidade. Cheguei a pensar em voltar para o Brasil. Tive muitas idéias, agucei a minha criatividade, e como!!! 

Sem comer, com fome, eu andava e andava, pensando no que fazer. Foi num destes momentos em que andando pelas ruas a procura de oportunidades, reparei em algumas pessoas que iam buscar seus filhos na escola.

Vi a chance de pedir ajuda, emprego, qualquer coisa que eu pudesse fazer para ter uma refeição e comer...

Determinado a comer, foquei os meus olhos de caçador implacável e vi as oportunidades...
Pensei comigo mesmo. As mulheres são mais humanas, mais piedosas, tem um coração mais sensível, uma alma mais caridosa, e então como um velho lobo... ataquei...

"Oh Boy!!!" hahahaha

Foram várias investidas com fracasso, outras até sensibilizei, mas faltava a pessoa certa, aquela que seria o meu outro anjo...


Por fim, conheci uma senhora que tinha uma gráfica, e editava o pequeno jornal da cidade.





Com ela pude demonstrar que sabia desenhar, e cheguei a fazer umas "charges" para seu jornal diário. Ela não pagava muito pelos meus desenhos, aliás até me explorava um pouco, pois eu tinha conhecimento de quanto valiam as edições. 
Enfim, não podia reclamar. Era o que eu tinha.
Com o que ela pagava, pelos meus desenhos, eu conseguia tomar café da manhã no Albergue (ainda sem ser pago) e continuava o resto do dia sem comer nada. Aquela fome que eu passava, só me mostrava ainda mais a realidade que eu estava vivendo. Pensei em pedir ajuda para minha família que, com certeza, fariam de tudo para me socorrer. A distância, o tempo e o meu orgulho de homem, não me permitiram...


Quando é feita uma escolha, existem varias estradas as quais não são seguidas... Porem, estas mesmas estradas, podem cruzar nossos caminhos futuramente


Assim continuei por dias e dias, comia pela manhã...e passava o resto do dia esperando algo acontecer, vendo os lindos "por de sol" na cidade.





Numa certa manhã, cansado desta situação, caminhando pelas ruas, passei e "notei" uma igreja que estava numa praça central. Sentei em frente e refleti muito e muito e resolvi entrar para falar comigo mesmo...meditar...
Fazer uma oração, algo que eu não lembrava mais

Cheguei a fazer algumas orações, percebi que eu estava ali para aprender algo, buscava aprendizado, e aquele era o momento de crescer, amadurecer.  Passei então a acreditar mais em mim...divagando em suposições e delírios pensei até em estudar para ser padre da igreja católica. Imaginem !!!

Pensava assim, pelo menos vou poder comer todos os dias...e foi nestes devaneios que bati à porta do padre. Entrei, esperei alguns minutos e então,  fui recebido pelo pároclo da cidade.
Me ofereceu uma bom almoço...a comida nunca foi tão saborosa. Pratos quentes, carne, batatas, saladas, sucos e até gelatina de sobremesa. Eu poderia me acostumar facilmente ...
Após minha refeição conversamos muito, e cheguei acreditar mais em Deus, nas minhas possibilidades, embora tenha dito ao padre que estava pensando em voltar para o Brasil.

Essa história é bastante longa, como podem notar e eu vou tentar terminá-la aqui mesmo. 
Minha fé em Deus aumentou muito a partir da minha conversa comigo mesmo na igreja e para encerrar, ao chegar no Albergue, conheci um casal de brasileiros que estavam viajando pelo mundo há mais de três anos. Batemos um bom papo...
Contei um pouco da minha história e meus planos de fazer o mesmo que eles. 
Me deram um endereço de um amigo deles em Montreal, onde eu poderia ser recebido, seria acomodado e conseguiria um trabalho, (por curto período) para seguir para o Oeste Canadense, onde havia reais oportunidades de melhores ganhos. 
Fui anistiado da minha conta no Hostes.  
Dormi muito bem aquela noite, levantei cedo, juntei minhas coisas e voltei pra estrada. 
Consegui uma carona direta até Montreal, com um bom sujeito que na viagem me contou ser oficial da imigração.
Imaginem a minha situação! Não podia comentar os meus planos e nem mencionar que a pessoa que ia me receber em Montreal, iria me conseguir os documentos para que eu pudesse trabalhar... 
No percurso, pagou meu almoço e me deixou na porta, isso levou até o endereço que eu tinha que chegar. 



Foi outro anjo da guarda! 

Aliás, conheci no Canadá o maior número deles.
Tenho certeza que fui protegido o tempo todo por estes anjos da guarda, e apesar das dificuldades que vieram a acontecer, nunca me senti desamparado. 
Obrigado !

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